ANDRÉ LUIZ PEIXINHO
ANDRÉ LUIZ PEIXINHO
por Pedro Camilo de
Figueirêdo
Foi na tarde (para
mim, já noite) do dia 30 de março de 2024 que Marcos Melo, um caro amigo da
época de juventude espírita, trouxe-me a notícia da desencarnação de André Luiz
Peixinho.
Médico, psicólogo,
filósofo, professor e empresário, dentre outras tantas atividades que bem
indicam sua versatilidade e sua inteligência invulgar, André Peixinho dedicou
sua vida à causa do bem, atuando em diversas frentes sociais, sobretudo na
educação e na assistência social.
A notícia de sua
desencarnação suscitou em mim, nos últimos dias, uma série de recordações dos
momentos em que tivemos nossos caminhos interseccionados. Não fomos amigos, no
sentido próprio do termo, mas tive, com ele, interações importantes para minha
formação humana e que não posso deixar de reconhecer.
O primeiro registro
de memória que tenho de Peixinho (em Serrinha ele é chamado de André, e logo
adiante digo o porquê) data do carnaval de 1998, na Confraternização de
Juventudes Espíritas da Bahia (Conjeb) de Jequié. À época, eu contava 16 anos,
aquela era a minha primeira Conjeb e atuava como monitor de uma turma de outros
jovens “mais jovens” do que eu, ao lado de duas pessoas queridas: Washington Bacelar
e Manoel. Lá pelas tantas, uma das jovens da sala, ao levantar-se do chão, deu
com a cabeça numa janela e desmaiou. Peixinho, que estava lá e próximo ao
local, foi socorrê-la, e pude acompanhá-lo até à enfermaria improvisada, onde
observei os cuidados e as atenções que teve com a garota.
A partir dali, em
outros tantos momentos pude estar em sua presença, fosse em suas falas
públicas, fosse nas reuniões do Departamento de Infância e Juventude (DIJ) da
Federação Espírita do Estado da Bahia (Feeb), tornando-me admirador de sua
acuidade intelectual.
Em 1999, no âmbito do
Projeto Hólon (que se tornou uma entidade sem fins lucrativos naquele mesmo
ano, em 13 de março), ele coordenou uma ação que visava oportunizar, a
vestibulandos de baixa renda, o acesso a um cursinho pré-vestibular. A
Sociedade Hólon estabeleceu uma parceria com o Curso Exato, que funcionava no
bairro da Pituba, em Salvador, a partir da qual cada estudante pagava 30% do
valor da mensalidade e dedicava algumas horas semanais de trabalho voluntário
junto à Feeb. Aqueles que nem mesmo tinham condição de pagar esse percentual
(era cerca de R$ 30,00, numa época em que o salário-mínimo era de R$ 136,00)
eram subvencionados pela Sociedade Hólon (leia-se, pelo próprio Peixinho), o que
possibilitou que muitos jovens tivessem acesso à universidade e hoje, mais
qualificados, desfrutem de uma vida melhor. Eu, embora só tenha efetivamente
passado no vestibular em 2000, fui um dos jovens acolhidos por esse projeto.
Em 2002, conheci e
tornei-me amigo de Elzio Ferreira de Souza, a quem o movimento espírita baiano
deve os anos mais fecundos de gestão da livraria da Casa de Petitinga (sede
histórica da Feeb), um verdadeiro ponto de encontro da cultura espírita da
Bahia. Elzio, que durante muitos anos atuou como promotor de justiça no
interior da Bahia, foi amigo muito próximo de Aristóteles Peixinho, médium e
liderança espírita singular da cidade de Serrinha, pai de André. Lembro-me de
Elzio contanto as incríveis histórias mediúnicas de Peixinho (o pai,
Aristóteles, que era assim chamado por toda a gente) e do tom de respeito e
carinho com que se referia a André (o filho, pois que era assim chamado por
toda a gente) que, ao fim, tornou-se mais conhecido do que pai.
Um dos traços mais
marcantes da personalidade de André Peixinho, ao lado da inteligência, era a
generosidade. Além das ações sociais promovidas pela Sociedade Hólon, ele
ajudava financeiramente a pessoas e instituições, como a Mansão do Caminho, as
Obras Sociais Irmã Dulce e a própria Feeb. Aliás, muitas vezes ouvi pessoas que
o acusavam de ter “invadido” o espaço da sede da Feeb no Iguatemi com as
atividades da Sociedade Hólon, sem saberem que esse foi um meio usado por ele
para manter o espaço (que é imenso e ficava ocioso durante a maior parte do
tempo) em funcionamento, justificando, sobretudo, a ajuda financeira que saía
de seu próprio bolso para garantir a manutenção daquela estrutura.
Ainda no âmbito do
movimento espírita, Peixinho financiava grande parte dos ônibus que levavam os
jovens para as Conjebs e outros encontros no interior do estado, além de muitas
vezes assumir os custos que extrapolavam a receita desses eventos.
Sou testemunha do
quanto ele ajudou financeiramente a diversas pessoas, especialmente um
determinado projeto espírita do Sudeste que atravessou momentos financeiros
muito difíceis. Peixinho não só financiou ações desse projeto, como ajudou
diretamente a uma de suas lideranças, durante meses.
Além de ter sido
beneficiado, eu mesmo, por essa generosidade, no projeto pré-vestibular, em
outras duas circunstâncias ele foi especialmente atencioso e acolhedor comigo.
Em 2003, quando
lancei a primeira edição do livro YVONNE PEREIRA: UMA HEROÍNA SILENCIOSA, ele,
que foi apresentado à obra por Elzio, durante o congresso espírita estadual
daquele mesmo ano, fez questão de levar-me diante de toda a plateia do
Auditório Iemanjá, do antigo Centro de Convenções da Bahia, apresentando-me e à
obra, dizendo estas palavras de que nunca esqueci: “Vejam, eu levei não sei
quantos anos para escrever minha tese, e ele, um rapaz com essa idade [22
anos], escreveu um livro tão importante”.
Já em 2008, quando
nos encontramos num evento na Feeb, ele, sabendo que eu já estava formado em
Direito e já era advogado, chamou-me a um canto e disse: “Olha, você não
gostaria de abrir uma frente de atuação jurídica junto à Sociedade Hólon?”. Com outros tantos jovens recém-formados ele fez algo parecido, para ajudar a impulsioná-los em suas carreiras. Expliquei a ele que, desde o ano anterior, eu ocupava um cargo de diretor de
presídio junto à Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do estado, não sendo possível assumir aquele compromisso,
o que ele escutou com viva satisfação, parabenizando-me, para depois dizer:
“Pois saiba que as portas estão abertas; a hora que você quiser, o espaço é
seu”.
Muitas outras vezes
nos encontramos, seja na Bahia, seja em Campina Grande, na Paraíba, e ainda
teria outras histórias a contar dessas muitas intersecções que tivemos ao longo
de mais de duas décadas no movimento espírita, mas penso, André Peixinho, que o
que aqui vai dito expressa um pouco do reconhecimento e da gratidão que você
merece.
Que nesses novos
caminhos – para você, não tão novos assim –, você, ao lado de Aristóteles,
Elzio, Petitinga e de tantos outros, continue firme e ativo como sempre foi,
pondo sua inteligência e sua generosidade a serviço do bem.
Até um dia!
Coimbra, 2 de abril
de 2024.
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