JÁDER DOS REIS SAMPAIO
Pedro Camilo de Figueirêdo
Jáder dos Reis Sampaio é, antes de tudo, um amigo.
Sempre sereno, ponderado e disponível para ajudar a quantos
lhe solicitassem o concurso prestimoso, era espírita desde o berço, filho de
José Mário, grande trabalhador do movimento espírita mineiro; esposo de
Tatiana; pai de Carol e Júlia. Nasceu em 24 de março de 1965 e desencarnou no
dia de ontem, 3 de março de 2024.
Conheci o Jáder após o lançamento de meu primeiro livro, por
intermédio de Alexandre Rocha e da Editora Lachâtre. Em 2009, tive a alegria
de, a convite dele, fazer o lançamento nacional do meu terceiro livro, Devassando
a mediunidade, na Associação Espírita Célia Xavier, em Belo Horizonte,
tendo ficado hospedado em sua casa. Curiosametne, quis o destino que o meu mais
recente livro, o romance A Fraude, também tivesse o seu lançamento nacional
lá, junto a ele e aos amigos do Célia, em julho do ano passado.
Jáder era discreto, embora
guardasse uma observação muito acurada do mundo que o circundava, especialmente
do movimento espírita. Inteligente e dedicado ao conhecimento, era especialista
na língua inglesa, o que em muito facilitou seu trabalho como tradutor. Tinha
especial interesse pela obra de Alfred Russel Wallace, de quem traduziu as
obras Os fantasmas e suas
aparições, Diálogo com os
céticos e O aspecto
científico do sobrenatural, todos publicados pela
Lachâtre.
De seus exercícios psicográficos
surgiram as obras Casos e
descasos na Casa Espírita, do espírito
Conselheiro, e O Observador e outras
histórias, de diversos espíritos. Em ambas, reconhecemos um
estilo leve para narrar os mais variados “casos e descasos” da vida, abordando
temas de interesse prático para todos nós.
A partir de 2018, tornei-me editor
da Lachâtre e, graças a isso, também seu editor, embora ele sempre fosse
reconhecido e fiel a Alexandre Rocha (rsss), meu antecessor e seu amigo de
décadas. Nessa nova condição, tive a felicidade de publicar seu último livro, Conversando com os espíritos, um toque de
humanismo, fruto de sua experiência de vida nas lides
mediúnicas, como médium e como dialogador, sobretudo.
Em Conversando
com os espíritos, além de temas como mediunidade,
obsessão, passes, perispírito e outros correlatos, Jáder contribui de forma
significativa para compreendermos o diálogo como recurso de abordagem dos
espíritos, ao estabelecer uma ligação entre o pensamento de Carl Rogers e
outros conceitos psicológicos com o saber espírita, com interesse prático para
entendermos a melhor forma de “tratar as pessoas desencarnadas”.
Ainda na mesma obra, Jáder prestou
relevante contributo ao movimento espírita mineiro e, especialmente, à
Associação Espírita Célia Xavier, de que era dedicado trabalhador, ao fazer
importante registro histórico sobre a instituição, a partir de suas vivências,
bem como de pessoas que por lá passaram e deixaram sua marca, como Ysnard
Machado Ennes e Telma Núbia Tavares.
Em outras searas, a colaboração de
Jáder foi igualmente significativa. Durante muitos anos, esteve entre os
dirigentes mais dedicados da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (Liphe), cujo
nome primeiro era Liga de Pesquisadores e Historiadores do Esppiritismo,
fundada por Eduardo Carvalho Monteiro em 2002, junto à qual sempre defendeu um
diálogo aberto do espiritismo com todos os ramos do conhecimento, sem
sectarismo.
Desde junho de 2008, mantinha o
blog Espiritismo Comentado (espiritismocomentado.blogspot.com), neste momento
com 1.738.889 visualizações, que nos deixou fartos registros de tudo quanto
acontecia no Brasil e no mundo em torno do espiritismo. Em sua última postagem,
datada de 5 de fevereiro de 2024, dava conta da ocorrência de encontros mensais
e online sobre Pediatria e Espiritualidade, promovidos pela Sociedade Mineira
de Pediatria.
No início deste ano, conversávamos
sobre suas próximas aventuras editoriais. Disse-me que gostaria de traduzir
mais uma obra de Alfred Russel Wallace, mas que ficaria para 2025, pois
precisava atender aos pedidos de colaboração de muitos amigos, em outras tantas
empreitadas. Em 6 de janeiro, escreveu-me pelo WhatsApp:
“Em 2024, eu gostaria de planejar
mais as coisas. Vi que ainda estou devendo muitas coisas que prometi, como
resenhas, artigos etc. Estou com um livro semiescrito, mas parado, e estou
tentando fechar o que abri, fazer as agendas com antecedência e antecipar a
participação em congressos e a submissão de artigos para periódicos que escolhi
participar. Acho que uma tradução do Wallace ficaria para 2025, mas gostaria de
fazer um empenho para divulgação e venda dos livros que você ainda tem em
estoque. O que sugere?”.
Assim era o Jáder!
No final deste mês de março e
início de abril, ele e Tatiana estariam aqui, em Portugal, e eu esperava
abraçá-los em Coimbra no dia 2 de abril, após o que ele seguiria para Viseu,
para pernoitar na casa do Alexandre. Quis o destino, porém, que outros ventos
soprassem...
Há 19 anos que ele, que sofria de
insuficiência renal e realizava hemodiálises três vezes por semana, aguardava a
possibilidade de um transplante. Em 7 de fevereiro, Tatiana supreendeu-nos a
todos os amigos informando que ele fora chamado ao hospital para receber um rim
doador, mas, no pós-operatório, as coisas se complicaram... Felizes,
compartilhamos com eles de suas esperanças, naquele momento, e, agora, apesar
da tristeza pela sua ausência física, compartilhamos igualmente da serenidade
com que o sentimos, apesar das turbulências dos últimos dias. Sim, não há
dúvidas de que ele está sereno, certo de ter cumprido com seus deveres e de ter
semeado, nos corações de sua esposa, de suas filhas e de todos os que estiveram
ao seu lado, em toda a vida, a convicção na imortalidade sobre a qual ele tanto
escreveu e que vivenciou.
Em julho de 2023, quando o abracei
pela última vez em Belo Horizonte, ele presenteou-me com o livro História de minha vida,
autobiografia de George Sand. Sabedor de meu interesse pela escritora, ele
entregou-me o pesado volume e disse: “Leve. Eu comprei para mim, mas sei que
não terei tempo de ler. Um dia você me devolve”, e riu, com sua breijerice
mineira, porque no fundo desejava que o livro ficasse, de fato, comigo.
E por falar em autobiografia,
deixo abaixo um registro que ele fez, em 2013, de sua própria trajetória.
Jáder, amigo, siga em paz. Continue
firme, daí, que nós seguraremos as pontas, daqui. Deus o abençoe!
* * * * *
Sou natural de Belo Horizonte, a cidade que foi desenhada para
ser capital das Minas Gerais. Fiz meus primeiros estudos no Instituto “Coração
de Jesus”, situado na Nova Suíça, e depois me formei técnico em eletrônica pelo
CefetT-MG. Após um início malfadado no
curso de engenharia elétrica da UFMG e uma rápida passagem como estagiário na
Rede Globo, criei coragem e passei no vestibular do curso de Psicologia da
Federal. Ainda na graduação publiquei meu primeiro trabalho, o que me
descortinou a possibilidade de seguir carreira universitária.
Como a vida é cheia de idas e vindas, passei dois anos em
Montes Claros, onde lecionava inglês para sobreviver, mas tinha o prazer de
estar casado com a Tatiana, amor da minha vida e mãe de minhas duas filhas, que
só fariam parte desta história sete anos depois. Eu havia feito um curso livre
na Escola de Tradutores e Intérpretes de Minas Gerais, e concluíra o curso de
tradutor. Nessa cidade, fiz o curso de especialização em psicologia do trabalho
e desenvolvimento organizacional, com a equipe da Universidade de Brasília, o
que foi muito importante na minha escolha de área de atuação.
Voltamos para Belo Horizonte, onde fiz o curso de Mestrado em Administração
na UFMG. Trabalhei como pesquisador na Fundação João Pinheiro por dois anos e
depois tive a alegria de ser aprovado em concurso público na Federal. Dando
início à carreira, lecionei muitas disciplinas na área de psicologia do
trabalho, ocupei alguns cargos acadêmicos e, finalmente, cursei o Doutorado em Administração
na USP. No doutorado, foi-me dada a liberdade de estudar a motivação de
voluntários e a cultura organizacional de uma organização espírita. Durante o
período em que estive na UFMG, até me aposentar, publiquei bastante, entre organização
de livros, capítulos de livros, artigos em revistas especializadas e outras
formas de publicação para divulgação.
Minha história no espiritismo começa no berço. Meu pai era
expositor, dirigente de reuniões mediúnicas e responsável pela formação das
pessoas para trabalhar com a mediunidade nas casas espíritas, o que ele fazia
no Grupo Espírita Emmanuel e na União Espírita Mineira. Eu, contudo, filiei-me
à Associação Espírita Célia Xavier, ainda na adolescência, e tenho estado nessa
casa desde o final dos anos 1970. A trajetória pelas atividades da casa foi
longa: reuniões públicas, campanha do quilo, voluntário em biblioteca, encontro
com famílias assistidas, evangelização infantil de filhos de frequentadores e
de crianças em situação de vulnerabilidade social, palestras, cargos de gestão,
responsável pela livraria, articulista de jornal, são algumas das atividades de
que me recordo. Participei da primeira Confraternização de Mocidades Espíritas
de Belo Horizonte (COMEBH) e depois me convidaram a participar de comissões
organizadoras deste evento que acontece até hoje. A vida, no entanto, é
inexorável e me levou a outras atividades.
Ainda no doutorado, interessei-me pelas publicações
espiritualistas de Alfred Russel Wallace, colega de Darwin na teoria da
evolução das espécies. Meus tios o admiravam como naturalista e desconheciam
sua produção espiritualista. Em nosso grupo de estudos, realizados aos sábados
no “Célia”, estudávamos Darwin e descobrimos o lado espírita de Wallace. Percebi
que suas pesquisas sobre a imortalidade da alma não estavam em língua
portuguesa. Comecei, então, enquanto viajava de São Paulo para Belo Horizonte,
o trabalho de tradução, que já tem dois frutos: O aspecto científico do sobrenatural e Diálogo com os céticos. Ao contrário da minha expectativa, os
textos foram muito bem recebidos pelo movimento espírita, mesmo sendo técnicos
e escritos em uma linguagem filosófica do século XIX.
No início do século XXI, fui convidado por um notável espírita
paulistano a integrar a Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE), onde
continuo dando minha modesta contribuição. Em parceria com o Centro de Cultura,
Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro, temos
incentivado a aproximação entre pesquisadores, acadêmicos ou não, interessados
na doutrina ou no movimento espíritas. Com o apoio incansável da equipe capitaneada
por Júlia Nezu, voltamos a organizar encontros nacionais, que este ano [2013]
chegam a sua nona edição. Já temos publicados quatro livros da série “Pesquisas
Brasileiras sobre o Espiritismo”, composta dos melhores trabalhos apresentados
nos encontros nacionais presenciais, e, graças à generosidade de duas
professoras da Unifran, os pesquisadores da LIHPE têm podido publicar suas
dissertações e teses na coleção “Espiritismo na Universidade”, que foi
inaugurada com o meu Voluntários.
A psicografia começou a ser desenvolvida após anos, na nossa
reunião do “Célia Xavier”. Não vejo nem ouço os espíritos, minha faculdade é
intuitiva. As ideias se formam ao mesmo tempo em que escrevo, ou as escrevo
assim que se formam. Não tenho movimentos involuntários ou automáticos. O que
posso dizer é que os textos se formam em uma situação de consciência precária
porque, quando começo a escrever, não sei como irei terminar e, às vezes, nem
sei qual é o conteúdo central da produção em curso. Desse trabalho, já foi
publicado o livro Casos e descasos na
casa espírita, de autoria do espírito Conselheiro, que já se encontra em
sua segunda edição, apenas seis meses após sua publicação.
Por fim, uma palavra para uma atividade nova, que faço desde
março de 2007. Trata-se do “Espiritismo Comentado”, um blog de reflexões e
análises sobre temas espíritas, que já conta com mais de trezentos mil acessos
de pessoas de mais de cem países diferentes.
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