A Campanha Setembro Amarelo funciona? 

Uma análise do cenário brasileiro

                                                                                                                          

 Psic. Danilo F. S. Cruz

Especialista em Saúde Mental
Professor, Escritor, Psicoterapeuta na Numen Psicologia
Profissional de Atendimento Integrado - Psicólogo do CAPS II São Caetano/Valéria

Não. Sinto muito... Não sou eu quem diz isso. Ela realmente não funciona. A incidência de morte autoprovocada está aumentando (em algumas categorias populacionais específicas está permanecendo estagnada), apesar da Campanha¹ ² ³ ⁴. A Associação Brasileira de Psiquiatria organiza junto ao Conselho Federal de Medicina, desde 2014, em todo Brasil, o Setembro Amarelo. Em 2024, o lema é “Se precisar, peça ajuda!” e diversas ações já estão sendo desenvolvidas. Mas qual é a real eficácia disso?

Segundo Lima e Brandão (2021)¹, "não foi identificada alteração de tendência na frequência de suicídios a despeito da implementação da campanha na população geral, porém observou-se crescimento na tendência de suicídios na população entre 15 e 29 anos, bem como estabilização entre indivíduos com 60 a 79 anos após seu início." Esse estudo aventa a hipótese de que a divulgação de maneira não regulada do tema suicídio pode justificar os achados.

Há que se falar ainda sobre a "Positividade Tóxica" carreada por esse tipo de estratégia: falas repletas de uma simplificação forçada, tais como “viver é o melhor remédio”, "veja o lado bom da vida", "esqueça isso e siga adiante", etc., são formas de estimular o mecanismo de defesa do ego chamado "Negação". Ou seja, jogar a sujeira para baixo do tapete.

Tais campanhas são atravessadas por uma lógica individualizante do sofrimento, frequentemente com um viés moralista, desconsiderando problemas sociais estruturais. Vê-se ainda uma intensa medicalização da existência com vistas à criação de demanda, em uma atitude corporativista em busca de lucratividade, propondo acolhimentos de “fachada”.

Lidar com temas sociais relevantes sob a forma de campanhas "coloridas" (em vez de ações afirmativas contínuas e sistemáticas) tem se mostrado ineficaz, visto que sobrecarrega serviços e profissionais na promoção de atividades deslocadas de sua atuação, engendrando a ilusão de avanço acerca da temática, sem produzir eficiência.

Uma campanha de Promoção e Valorização da Vida deve fomentar, necessariamente, a defesa de um modo de vida que enfatize e priorize o bem-estar de sujeitos e coletividades; que acolha e promova as diversidades e os direitos humanos; que promova condições de alimentação e moradia digna, segurança, trabalho protegido, educação de qualidade, um Sistema Único de Saúde público e universal, com acesso a cuidado em Saúde Mental na perspectiva Psicossocial e Antimanicomial, políticas econômicas e sociais que atendam às necessidades de todas as pessoas.


¹ Lima, D. P. A.; Brandão, C. B. 5 years of Yellow September Campaign: Are we managing to prevent suicides? . Research, Society and Development[S. l.], v. 10, n. 7, p. e16210716312, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i7.16312. 

² Costa de Araújo, A. C. ., Crislayne de Lima Paiva, J. ., de Sousa Lacerda, J. ., & Molano, M. M. (2021). Evaluación de campañas de salud: una revisión integral sobre la construcción de indicadores. Anuario Electrónico De Estudios En Comunicación Social "Disertaciones", 14(2). https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.9432

³ Oliveira,M. E. C. de; GomesK. A. de L.; NóbregaW. F. S.; GusmãoE. C. R.; dos SantosR. D.; FranklinR. G. Série temporal do suicídio no Brasil: o que mudou após o Setembro Amarelo?. Revista Eletrônica Acervo Saúde, n. 48, p. e3191, 14 maio 2020. https://doi.org/10.25248/reas.e3191.2020

⁴ Corrêa Matias Pereira C, Najafi Moghaddam Gilani V, Nazif-Munoz JI. A brief research report of suicide rates in the Brazilian elderly over a 12-year period: the lack of association of the "Setembro Amarelo" campaign for suicide prevention. Front Psychiatry. 2024 Jul 25;15:1354030. doi: 10.3389/fpsyt.2024.1354030. PMID: 39119072; PMCID: PMC11306183.https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39119072/#:~:text=Conclusions%3A%20There%20is%20a%20lack,stigma%2C%20may%20not%20reduce%20suicides.

 

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