Por Pedro Camilo
Foi no Rio de Janeiro onde ela nasceu, numa localidade que recebia o nome de Villa de Santa Thereza de Valença, atual Rio das Flores. O ano, 1900; o dia, 24; o mês, dezembro. Pois foi na simbólica véspera do nascimento do Cristo que Yvonne “veio ao mundo” mais uma vez.
Yvonne notabilizou-se no Movimento Espírita pelas suas produções literárias. Aliás, ela já escrevia sobre literatura desde a adolescência! E o fazia muito bem. Alguns de seus textos foram, inclusive, publicados em diversos periódicos da época, segunda década do século XX. Sem dúvidas, um fato singular, posto que ela mal tinha o curso primário! Uma verdadeira autodidata.
Embora sua capacidade de aprender e traduzir claramente seus pensamentos, em fase alguma de sua vida ela foi professora, diferente do que se supôs durante muito tempo. Com o passar dos anos, ela percebeu que alguns de seus escritos tratavam-se de textos inspirados, e porque não dizer – psicografados. Percebendo-se médium psicógrafa, submeteu-se à influência dos Espíritos, adestrando-se para a difícil tarefa que o correr dos anos revelaria em sua jornada – a literatura mediúnica.
Foram, ao todo, dez obras psicografadas, três coletâneas de artigos escritos por ela mesma e três contendo relatos autobiográficos, somando-se dezesseis obras. Alguns desses livros foram escritos ainda em sua juventude, como é o caso de O Cavaleiro de Numiers e O Drama da Bretanha, ditados, inicialmente, por Roberto de Canallejas, posteriormente revistos por Charles, Espíritos sobre quem falarei em momento próprio.
No entanto, o principal livro ditado através dela, não só daquela época, mas também de sua tarefa mediúnica, foi, sem dúvidas, Memórias de um Suicida, um marco na literatura mediúnica mundial. Essa pérola do além lhe foi ditada, nos idos de 1926, pelo saudoso romancista português Camilo Castelo Branco, que morreu através do suicídio.
Utilizando-se das possibilidades mediúnicas de Yvonne, o escritor veio mostrar, baseando-se em suas próprias memórias, o doloroso estado dos Espíritos suicidas no Além, na erraticidade, trazendo riqueza de detalhes do Vale dos Suicidas, além de preciosas lições a cerca das Leis de Causalidade. Prudente, Yvonne não teve coragem de tornar pública a obra, porque tinha dúvida de seu conteúdo. Esperou, desta forma, quase trinta anos, dando-a à publicidade em 1956.
E não foi por acaso que Yvonne Pereira foi feita veículo de um livro tão significativo! Espírito comprometido com as Leis da Vida, a médium tinha graves envolvimentos com suicídios, próprios e alheios. Na existência que teve antes dessa, no Brasil (para falar apenas de uma), ela cometeu o tal ato, arrastando graves conseqüências para a nova programação.
Veja-se, por exemplo, o que aconteceu aos seus 29 dias de nascida. Sofrendo uma crise de sufocação, o pobre bebê morreu, mas só aparentemente. Foram seis horas de angústia e apreensão, que só tiveram fim graças à Bondade Divina manifestada através do coração de D. Elisabeth do Amaral Pereira, sua mãe. Esta, em prece fervorosa a Maria de Nazaré, Mãe de Jesus, pediu a bênção de ter a sua filhinha de volta, pois o seu coração materno dizia que a menina não estava morta. E ela retornou, sim, mas não para uma vida de alegrias, e sim de sofrimentos, de duras provações. Esse foi, apenas, o primeiro reflexo do suicídio.
Quando tinha algo em torno dos cinco anos de idade, passou a ter percepções mediúnicas. Via os espíritos com tanta nitidez que, por vezes, confundia a si própria e aos seus familiares. A visão de dois Espíritos, em especial, marcou não só a infância, mas também a sua adolescência: Roberto de Canallejas e Charles. O primeiro, antigo esposo e médico espanhol em sua última romagem física, cuja morte a leva ao desespero e ao autocídio; o segundo, o companheiro de tantas existências e pai amoroso. Aliás, ela só reconhecia a Charles como seu pai, sentia imensa falta dele, e sofria com a sua ausência, por não poder tateá-lo, por não poder abraçá-lo. Sofria porque as fronteiras invisíveis do Além se interpunham entre ambos.
Ainda como consequência da prática do suicídio, no ano de 1942 ela sofreu um duríssimo processo, um transe incompreensível, conforme suas próprias palavras, deixando-a por dois meses prostrada em cima de uma cama. Durante esse período, mal se alimentava, permanecendo como morta-viva – mas viveu intensamente da Vida Espiritual, vendo-se presa de variados complexos, adentrando os “arquivos da alma”. Reviu trechos de existência transata, experimentou as agruras do Vale dos Suicidas, foi envolvida por Espíritos inferiores e passou por verdadeiras cirurgias perispirituais. Uma experiência marcante, sem igual.
Maior não foi a sua dor por ter, graças à Misericórdia Divina, renascido num lar espírita. Seu pai, Manoel José Pereira, não só era adepto do Espiritismo – também realizava reuniões em sua casa. E foi ali, no próprio lar, onde Yvonne assistiu à sua primeira reunião mediúnica, aos doze anos. Foi do pai que recebeu, de presente, seus primeiros exemplares de O livro dos espíritos e de O Evangelho segundo o espiritismo, com a mesma idade. Nesse período, teve seus primeiros contados com o Médico dos Pobres – dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, e com Camilo Castelo Branco. E, a partir de então, passou a dedicar a sua vida à Causa Espírita.
O casamento não fez parte de suas experiências, embora tenha se entregado a alguns namoros, que não prosperaram devido à intervenção dos Espíritos. Apenas uma vida de renúncias e dedicação aos sofredores. Destes, ela aprendeu a tratar dentro de casa, pois não era difícil ver seu pai dando abrigo a mendigos e necessitados que comiam na mesma mesa e dormiam sob o mesmo teto que ela.
Não tinha muitas posses, não mesmo. Seu pai, depois de fracassar como comerciante – ele favorecia os seus “clientes” e desfavorecia o próprio bolso –, tornou-se funcionário público, mas a situação da família não era das melhores. Daí o fato dela não ter completado seus estudos. Daí, também, o porquê de não ter sequer condições de comprar papel para psicografar. Como fazia? Psicografava em papel de pão! Como este tipo de papel era enorme, ela cortava-os em formato próprio, fazia seus cadernos e... psicografava. Na mesa? Não. Muitas vezes o fez em cima de caixotes! Foi assim especialmente no seu início.
Apesar de todos os percalços do caminho, Yvonne manteve-se fiel aos compromissos assumidos. Sempre prestimosa, dedicou-se de corpo e alma – com essa última, principalmente – ao socorro dos suicidas e dos obsessores, através de desdobramentos e da psicofonia. Também se entregou ao Receituário Homeopático, tarefa de que se desincumbiu com maestria, tendo a secundá-la os Espíritos Bittencourt Sampaio, Bezerra de Menezes e Roberto de Canallejas, dentre outros. Também foi assistida por Inácio Bittencourt, Léon Tolstoi, Eurípedes Barsanulfo e Léon Denis. O segundo deixou verdadeiras pérolas psicografadas; o último foi o orientador judicioso, um amigo inseparável. Ela mesma conta que, após ler a obra O Problema do Ser, do Destino e da Dor, resolveu apelar para o memorável continuador de Kardec, posto que o próprio Léon Denis afirma, na citada obra, que faria o possível para atender a qualquer apelo que se lhe fizessem após a desencarnação, o que de fato aconteceu com ela.
Ainda um detalhe bem importante: Yvonne foi esperantista! Abraçou, convicta, a proposta de uma língua internacional. Mais por ela não pôde fazer, devido à sua falta de tempo, tesouro esse completamente tomado por seus afazeres. Dentre estes, destaca-se seu hábito saudável de corresponder-se com imenso número de pessoas. Ela gostava muito de receber e escrever cartas – ela gostava muito de fazer amigos!
Médium de diversas possibilidades (psicografia, receitista, de desdobramento, psicofonia, vidência, etc); personalidade forte, fiel aos ditames espíritas; educadora, lato senso; amiga e irmã dos obsessores; companheira inigualável – Yvonne do Amaral Pereira retornou à pátria espiritual no dia 9 de março de 1984, deixando para trás um verdadeiro rastro de luz.
(Retirado do livro Yvonne Pereira: uma heroína silenciosa)
0 Comentários