Por Mauro Camargo
Uma tendência humana é criar zonas de conforto. Bem, criar zonas de conforto é um princípio evolutivo, que nos tirou das cavernas escuras e nos colocou em lares aquecidos, iluminados e protegidos. Excetuando-se os estados mentais patológicos, ninguém começa um dia querendo deliberadamente sofrer ou ser infeliz. Na nossa longa escalada evolutiva, instinto e egoísmo se misturaram e se completaram, para que pudéssemos superar obstáculos sem conta e, assim, ter as alegrias imediatas da conservação de cada espécie a que já pertencemos.
Na fase evolutiva em que estamos, com o instinto plenamente desenvolvido, o sentimento começa a se descortinar como uma necessidade de manutenção da vida e fator fundamental para a evolução. A manutenção da vida é o instinto primordial de todas as espécies e, por mais que ainda vejamos tanta truculência e dor nas relações, é inegável que já se começa a perceber que não há saída para a humanidade que não seja pelo respeito, pela civilidade e pela empatia. E se não respeitarmos o meio ambiente? E se continuarmos somente extraindo e poluindo? E se não respeitarmos as diferentes culturas; as incontáveis diversidades? E se insistirmos na guerra? Qual a porcentagem da população mundial que vê na guerra o caminho para a paz?
Em cada salto mínimo na escada evolutiva, tão sutil que nem se pode perceber os degraus, um vilão perde a força; um abraço salva vidas. Os malvados, os tiranos, os arrogantes, os violentos, os mentirosos, cada vez mais se destacam fora do contexto civilizatório de um mundo altamente interligado e de informações instantâneas. Assim o ser humano vai aprendendo, muito pouco a pouco, a ler a imensa carta escrita por Deus nas estrelas e que fala do drama existencial de todos nós. Uma leitura difícil, mas que a cada dia mais pessoas conseguem aprender, quase que inconscientemente, até mesmo imperceptivelmente. É como se estivéssemos aprendendo outro idioma e nos deslumbrando por entender o que antes eram só sons ou símbolos desconexos e incompreensíveis.
A carta que Deus escreveu nas estrelas é a nossa vida, do mineral ao anjo. Por mais que ainda exista a guerra e a fome, a posse inconsequente e a arbitrariedade, naturalmente a humanidade entende que não há como retroceder; não há como evitar o anjo que ainda seremos e que cresce irresistivelmente em cada um. Uma massa crítica se forma e, na contagem de tempo da eternidade, a alegria vai substituindo a dor da alma na medida em que aprendemos a valorar os bens adequados, a abandonar ideias e apegos mais ligados ao instinto do que ao amor. Amor, bem se entenda, de doação. Que nada pede, que nada espera, que tudo dá (mesmo sem deixar de ser severo). Amor marcado na figura do Cristo, com seu exemplo divino de doação pelo nosso crescimento.
Jesus é o responsável pela nossa humanidade e os versos de Deus nas estrelas sobre ele falam somente de amor. Amor de doação em todos os momentos em que esteve materialmente entre nós. Não havendo no nosso tempo outro espírito desta grandeza, é natural que seu exemplo seja único e perfeito. E nós, futuros anjos, mas ainda infinitamente distante dos cristos, que engatinhamos no processo de aprender a amar e a se doar, vemos no Natal uma ocasião para celebrar a vida, o nascimento, os encontros, a esperança, as alegrias, as memórias, a saudade, os presentes, as promessas íntimas de sermos melhores.
Que tudo isso possa acontecer neste Natal, mas que comecemos por lembrarmos de tantos e tantos e tantos que não terão Natal, para que algum tipo de amor de doação possa percutir em nossa alma. Tantos sem lares, tantos sem alimento, tantos sem apoio familiar, tantos mergulhados em seus próprios abismos de solidão.
Que tudo isso possa acontecer neste Natal, sem nos esquecermos que qualquer doação material que possamos dar para quem precisa é insignificante diante da imensa corrente do bem que nossa energia cria cada vez que queremos, de coração, ajudar. Dar presentes de Natal pode ser uma leitura embrionária do amor de doação a que estamos destinados quando o anjo em nós abrir suas asas, mas já um bom começo. Porém, muito além dos presentes materiais, que possamos lembrar que somos filhos de Deus, iguais em humanidade, nenhum mais, nenhum menos, apenas irmãos, somente irmãos, eternamente irmãos, caminhando juntos nesta tão longa estrada evolutiva.
Que possamos lembrar que apenas o amor é capaz de nos dar a verdadeira felicidade. E que as asas da bondade que um dia teremos definitivamente já possam se agitar, começando por dar mais valor a um abraço sincero do que a um presente material, e nos elevando acima do que somos, para que possamos ter um Natal realmente de paz.
Que cada vez mais, a cada Natal, a nossa zona de conforto, a nossa alegria mais imediata, possa ser o amor.
Feliz Natal.
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